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Foi sancionada a Lei nº 14.039, de 17 de agosto de 2020, que altera a Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994 (Estatuto da OAB), e o Decreto-Lei nº 9.295, de 27 de maio de 1946 (Cria o CFC), definindo a natureza técnica e singularidade dos serviços prestados por advogados e por profissionais de Contabilidade. O destaque é a forma de contratação dos serviços contábeis por inexigibilidade de licitação pelos órgãos públicos.
Como será formalizado tais contratações é o grande desafio que terão que enfrentar os Tribunais de Contas, que certamente darão o posicionamento final na interpretação da norma.
A lei foi sancionada, após a derrubada do veto do Presidente Jair Bolsonaro ao Projeto de Lei nº 4.489/2019, pelo Congresso Nacional. A alegação do Executivo para vetar os dispositivos era a possível “inconstitucionalidade e interesse público” por ferir o princípio da impessoalidade. No entanto, após análise e discussões no Plenário do Congresso Nacional posicionou-se de forma contrária e derrubou o veto do Presidente, considerando que o trabalho dos advogados e dos contadores precisam ser, dentre outros aspectos, da confiança do gestor público que vai contratá-los. O meio para efetivar a contratação seria então por meio de inexigibilidade de licitação.
A contratação destes profissionais pela Administração Pública sempre foi pautada por muita polêmica e controvérsia no meio jurídico diante do posicionamento marcante dos órgãos de controle externo, em que quase sempre esbarrava na definição se o objeto a ser contratado possuía ou não natureza singular. Mas, qual a diferença de serviços singulares e conhecimentos notórios após a publicação da lei nº. 14.039/20? Nenhuma, embora existam várias interpretações sobre singularidades de serviços, não se pode achar que só por ser singular os serviços o poder público já pode sair contatando por inexigibilidade qualquer profissional. É preciso provar antes em processo formal e por manifestação expressa que no quadro de técnicos do órgão não possui profissional capacitado para executar os serviços considerados singulares.
Com as alterações promovidas no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e da Lei que cria o Conselho Federal de Contabilidade (CFC), especialmente com a inclusão, respectivamente, dos artigos 3º-A na Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da OAB) e dos §§ 1º e 2º no art. 25 do Decreto-Lei nº. 9.295/46 (cria o CFC), os serviços desenvolvidos por advogados e contadores, no âmbito de suas competências, são, por si só, já caracterizados como de natureza técnica e singular, desde que comprovada sua notória especialização daqueles que irão executá-los. Também é critério para comprovar a legalidade, a legitimidade e economicidade em contratações de notoriedade, que os serviços a serem executados são essenciais e indispensável para o órgão contratante. Se é indispensável, deveria existir este profissional no quadro de técnicos do órgão contratante. Mas o que se busca é uma abertura de mercado para aqueles que irão procurar nas lacunas da lei uma forma de contratação por inexigibilidade de licitação pública.
Porém, o questionamento que se coloca a partir de agora é se os serviços jurídicos e de contabilidade poderão ser contratados pela Administração Pública via inexigibilidade de licitação, sob a alegação que a atuação de advogados e contadores são, como dito anteriormente, serviços técnicos de natureza singular quando comprovada a notória especialização. Embora a interpretação do art. 13 da lei nº 8.666/93, já nos convencia disso.
Quanto aos concursos públicos para os cargos de juristas (advogados, procuradores e assessores) e contabilistas (contador e auditor), considerando a hipótese de que estes poderão ser afetados ou poderão até mesmo não ocorrer diante desta nova legislação. Não é esse o entendimento, pois, nos termos do inciso II do art. 37 da Constituição da República, esses trabalhos são atividades típicas dos órgãos públicos. Não se busca abarcar na interpretação do texto que os serviços singulares de contabilidade devem ser executados por profissionais ou empresas prestadoras de serviços, contratados por inexigibilidade de licitação. O que se pode vislumbrar que os serviços singulares, considerados essenciais para o órgão e não podem ser executados por profissionais do próprio quadro, poderão ser contratados profissionais e empresas que comprovem notoriedade no objeto e que esses serviços não sejam contínuos, se restrinjam a um objeto temporário (período suficiente para sua concretização).
A alteração introduzida no Decreto-Lei nº 9.295/46(Cria o Conselho Federal de Contabilidade – CFC), especificamente no art. 25 que acrescentou os §§ 1º e 2º, que mencionam:
Art. 25. (…).
…….
§ 1º Os serviços profissionais de contabilidade são, por sua natureza, técnicos e singulares, quando comprovada sua notória especialização, nos termos da lei.
§ 2º Considera-se notória especialização o profissional ou a sociedade de profissionais de contabilidade cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.” (NR)
A Contabilidade Aplicada ao Setor Público (CASP) é um dos ramos da ciência contábil que tem por objetivo obter, registrar, interpretar e demonstrar os fenômenos que afetam as situações orçamentárias, financeiras e patrimoniais das entidades de direito público interno e as respectivas autarquias, por meio de metodologias específicas orientadas pelas Normas Brasileiras de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público (NBCASP), publicadas pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC). Havia uma discussão com os órgãos fiscalizadores externos sobre a contratação de serviços técnicos da área contábil, por meio de licitação, se poderiam ser contratados pela modalidade pregão, quando considerados serviços comuns, nos termos definidos no parágrafo único do art. 1º, da Lei nº 10.520/2002, no tipo melhor técnica e preço. Essa forma de contratação por meio de pregão (lance aberto) não demonstrou vantajosidade nenhuma para os órgãos públicos, pois desprezar na totalidade a singularidade dos serviços contábeis e a capacidade técnica dos profissionais ou empresas de contabilidade.
Em manifestações anteriores, o entendimento do CFC, era que o uso pregão implicaria concorrência desleal e aviltamento de honorários dos contadores e auditores. Para o Conselho Federal, os serviços de auditoria contábil não possuem natureza de serviço comum, uma vez que, para serem licitados, “necessitam de um acurado exame de similaridade, em razão dos múltiplos aspectos que necessitam ser levados em consideração, o que somente é possível com o estabelecimento de uma fase de análise técnica das propostas dos licitantes”. Para os serviços de auditoria por exemplo, nitidamente intelectuais, motivo pelo qual a licitação que os envolvessem requereria, necessariamente, uma análise técnica da proposta, devendo ser realizada com o uso do tipo técnica e preço. Adotando esse tipo de licitação não poderia ser processada por meio de pregão.
O Tribunal de Contas da União (TCU) afirmou que os serviços de auditoria, devido à padronização existente no mercado, geralmente atendem a protocolos, métodos e técnicas conhecidos e pré-estabelecidos, bem como os padrões de desempenho e qualidade que podem ser objetivamente definidos em edital. Portanto, em regra, são serviços comuns, sendo obrigatório o uso do pregão, preferencialmente na forma eletrônica, para as licitações que os tenham por objeto (vide Acórdão 1046/2014-Plenário, TC 018.828/2013-2, relator Ministro Benjamin Zymler, 23.4.2014). A singularidade dos serviços contábeis trazidos pela Lei nº 14.039/2020 afasta a possibilidade de contratação de serviços contábeis por meio do Pregão, que se aplica tão somente para a contratação de serviços comuns. Esse entendimento do TCU foi descabido e inapropriado para os entendimentos dos profissionais da contabilidade. A exemplo, podemos citar as “Notas Explicativas” que integram as demonstrações contábeis. Para elaborar uma nota explicativa de um balanço patrimonial, não se imagina um serviço comum. Bem como demonstrar o resultado primário e nominal e interpretar seus resultados.
A contratação de serviços de assessorias contábeis na condição de apoio, para assistir e subsidiar de informações pertinentes ao exercício da função por servidor do órgão público, se faz perfeitamente legal e possível, desde que o contratado demonstre capacidade técnica, conhecimento, vivência, experiência, atualização, qualificação e formação para assessorar, acompanhar, auxiliar, servir, atender, tirar dúvidas, orientar, informar, discutir as possibilidades e os possíveis resultados da ação pública. Quando se tratar de contratação de serviços de apoio continuado e por configurar notoriedade (especialização específica e desempenho anterior de objeto similar), é objeto de licitação do tipo técnica e preço, não sendo possível invocar a contratação por inexigibilidade de licitação por ser serviços continuados. É o entendimento de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes:
“A terceirização no serviço público constitui tema novo e desafiador, exigindo dos que almejam alcançar essa fronteira uma visão integrada da legislação e da jurisprudência, além de um esforço coordenado de diversos segmentos da Administração.
A contratação de suporte técnico em forma de assessoria contábil externa também é possível, desde que a Administração possua no quadro do órgão, servidor ocupante de cargo efetivo, que declare não possuir notoriedade para execução de serviços singulares. Assim, o apoio no exercício das funções do servidor, exigirá por sua natureza, técnica e singular, notória especialização do profissional ou pessoa jurídica prestadora dos serviços contábeis. Isso não significa que os serviços serão contratados por inexigibilidade de licitação, nos temos da Lei nº 14.039/20, pois esses serviços regulares de acompanhamento de execução orçamentária, financeira, patrimonial e registro contábeis, devido à padronização existente no mercado, geralmente atendem a protocolos, métodos e técnicas conhecidos e pré-estabelecidos, bem como a padrões de desempenho e qualidade que podem ser objetivamente definidos no contrato.
No que tange à singularidade dos serviços o art. 13 da lei nº 8.666/93 elenca, sem a intenção de esgotar, os casos de serviços técnicos profissionais especializados. Como segue:
Art. 13. Para os fins desta Lei, consideram-se serviços técnicos profissionais especializados os trabalhos relativos a:
I – estudos técnicos, planejamentos e projetos básicos ou executivos;
II – pareceres, perícias e avaliações em geral;
III – assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias;
IV – fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços;
V – patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas;
VI – treinamento e aperfeiçoamento de pessoal;
VII – restauração de obras de arte e bens de valor histórico.
VIII – (Vetado).
§ 1o Ressalvados os casos de inexigibilidade de licitação, os contratos para a prestação de serviços técnicos profissionais especializados deverão, preferencialmente, ser celebrados mediante a realização de concurso, com estipulação prévia de prêmio ou remuneração.
§ 2o Aos serviços técnicos previstos neste artigo aplica-se, no que couber, o disposto no art. 111 desta Lei.
§ 3o A empresa de prestação de serviços técnicos especializados que apresente relação de integrantes de seu corpo técnico em procedimento licitatório ou como elemento de justificação de dispensa ou inexigibilidade de licitação, ficará obrigada a garantir que os referidos integrantes realizem pessoal e diretamente os serviços objeto do contrato.
A respeito da singularidade dos serviços, Petrônio Braz ensina:
“a expressão (singularidade) “traz sentido especial, com peculiaridades que permitem distinguir a coisa, não podendo a expressão ser entendida literalmente”.
Assim, diante da definição dada pela Lei nº 14.039/20, os serviços profissionais de contabilidade quando comprovados a sua singularidade, que exigirá do executor comprovação de sua notória especialização, através de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica ou de outros requisitos relacionados com suas atividades específicas, conjugados com o disposto no art. 13 da lei nº 8.666/93 que envolve diretamente a área da Contabilidade Aplicada ao Setor Público (CASP), cujo objeto tenha vinculo com estudos técnicos, pareceres, perícias, avaliações, assessorias ou consultorias técnicas em objetos específicos e não continuados, auditorias financeiras ou tributárias, fiscalização de contratos, nos termos do inciso II do art. 25 da lei de licitações, poderão ser contratados por inexigibilidade de licitação. Desde que declaradamente, não exista no quadro de técnicos do órgão profissionais com notoriedade para a execução do objeto.
Assim, entendemos que não se enquadra como singular os serviços contábeis de processamento de empenhos, registros de créditos orçamentários, liquidação de despesas, inscrição em restos a pagar, classificação da receita, fluxo de caixa, apuração de limites de gastos constitucionais, processamento de obrigações acessórias e outros registros rotineiros. Os registros e demonstrações contábeis rotineiras, elaboradas pelo Contador, o qual deverá apor sua assinatura, categoria profissional e número de registro no Conselho Regional de Contabilidade (CRC) respectivo, em consonância com a NBCTSP 11, de 18 de outubro de 2018, e Manual de Contabilidade Aplicado ao Setor Público.
A escrituração contábil, a emissão de relatórios, peças, análises, demonstrações contábeis e demais relatórios devem cumprir rigorosamente as Normas Brasileiras de Contabilidade Aplicada ao Setor Público e o Manual de Contabilidade Aplicado ao Setor Público, sendo atribuição e responsabilidade exclusiva do profissional da contabilidade, legalmente habilitado conforme item 12 da Resolução CFC nº 1.330/2011 e Resolução CFC nº 560/1983 e art. 9º da Resolução CFC nº 1.328, de 18 de março de 2011, dispõeque a inobservância às Normas Brasileiras de Contabilidade constitui infração disciplinar sujeita às penalidades previstas nas alíneas de “c” a “g” do art. 27 do Decreto-Lei nº 9.295/46, alterado pela Lei nº 12.249/10, e ao Código de Ética Profissional do Contador, sujeito a pena de multa, suspensão e cassação do registro.
Quando comprovada a singularidade dos serviços contábeis, deverá ser comprovado em processo formal por meio de documentos hábeis, as seguintes qualificações:
- Notória especialização do profissional e da sociedade de profissionais de contabilidade na área de Contabilidade Aplicada ao Setor Público;
- Desempenho de objeto anterior similar ao objeto da contratação;
- Estudos desenvolvidos ou coordenados anterior a contratação;
- Comprovação de experiências na Classificação Nacional de Atividades Econômicas(CNAE);
- Publicações dos Sócios ou da Empresa tais como: livros, artigos e outros;
- Organização, aparelhamento, equipe técnica que estará disponível para a execução do objeto;
- Requisitos relacionados com suas atividades, acervos, meios de comunicação e outros;
- Forma de Contratação (técnica e preço) e forma de execução direta do contrato
- Comprovação por meio de estudo preliminar que o trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato e atende ao interesse público.
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